terça-feira, 13 de outubro de 2015

Os heróis deixam marcas

Hoje, partilho convosco um texto retirado de um blog de um irmão de uma amiga que está sempre no meu coracão, uma grande MULHER, uma grande MÃE, uma grande ESPOSA e agora uma grande AVÓ, pois o seu principe nasceu há poucos meses, um SER HUMANO INCRIVEL, que eu adoro.

Os heróis deixam marcas

"Somewhere, something incredible is waiting to be known. Carl Sagan

Escrevo este post a partir de Luanda, com o coração quente do regresso a uma terra que amo, mas apertado pela perda recente de um dos meus heróis.
 
A palavra herói tem muitas definições. A mais comum define herói como alguém que deu a vida por uma causa honrada. Nesta categoria lembro-me de Abraham Lincoln ou Martin Luther King. Outra definição possível é a de alguém que viveu a vida dedicado a uma causa meritória. Nesta categoria lembro-me de Nelson Mandela ou de Carl Sagan.
Mas eu prefiro uma definição um pouco diferente.
Para mim, um herói é alguém que, de alguma forma, nos marcou pelo seu exemplo, pelas mensagens indeléveis que deixou escritas nesse livro sempre incompleto que é a nossa vida. Prefiro esta categoria pois é uma categoria mais rica e inclusiva.
Nesta categoria cabem aqueles a quem eu chamo os “heróis anónimos”. Esses heróis não são necessariamente famosos, não são muitas vezes figuras públicas, mas a sua virtude e os seus talentos nem por isso deixaram de fazer a diferença, nem por isso deixaram de tocar a vida de muita gente. A grandeza deste heróis reside muitas vezes na sua simplicidade e na sua discrição. O que não faz deles heróis menores. Antes pelo contrário.

Heróis anónimos que nos inspiram

O Carlos fazia parte desta categoria. O seu exemplo de coragem e verticalidade não encheu as páginas dos jornais. Mas encheu muitas páginas da nossa vida.
E como encheu ele essas páginas? Com a sua eterna curiosidade pelo mundo e pela vida. Uma curiosidade juvenil aliada a um gosto de descobrir e de aprender que fizeram dele uma eterna criança, com os olhos vivos e brilhantes de quem descobriu mais alguma coisa, de quem aprendeu com alguém mais um pedacinho dessa sabedoria que ele construía todos os dias.
Ele foi uma das minhas referências naquilo que eu chamo uma postura intelectual renascentista. Uma postura de constante curiosidade multi-diciplinar, em que a apreensão de múltiplos saberes leva sempre ao desbravar de novas fronteiras do conhecimento. Esse conhecimento, do qual nos alimentamos como seiva vital da nossa existência, nada é no entanto se não for partilhado. E como ele sabia isso tão bem.
A sua ânsia de partilhar o que sabia faziam dele um comensal por excelência, um promotor de tertúlias que duravam horas, de debates que entusiasmavam os grupos por onde passava. Com ele debati (e aprendi!) História, Filosofia, Política, Literatura, Cinema, Música, Astronomia e mais uma infindável panóplia de temas.
Com ele aprendi a apreciar Wagner, Tchaikovsky, Mozart, Bach, Vangelis, mas também Eugénio de Andrade, Miguel Torga ou Fernando Campos. A lista não acabaria se quisesse ser exaustivo…
Esta pulsão para partilhar e ensinar era por vezes quixotesca. Lembro-me das infinitas vezes que me tentou explicar princípios fundamentais da mecânica, ou até da tão máscula arte do bricolage, sem desistir de tão fraco aprendente nestas matérias como eu era, por muito que me esforçasse por acompanhá-lo. Mas julgam que ele desistia? Jamais. O seu espírito generoso pura e simplesmente ignorava os meus falhanços.
Partilhei com ele desde cedo os dois valores fundamentais pelos quais conduzo a minha vida: a justiça e a verdade. O seu exemplo de vida foi sempre para mim uma inspiração e uma referência, mesmo quando era desconcertante.
O Carlos dizia sempre o que pensava, mesmo quando as convenções sociais não o recomendavam. A verdade tinha de prevalecer, pois então! Era particularmente hilariante quando lhe pediam opinião sobre uma qualquer prenda oferecida por alguém da família numa festa de anos. Se gostava dizia-o entusiasticamente. Se achava horrível dizia-o com o mais desconcertante sorriso nos lábios. Na boca dele, a verdade nunca soava mal. Um talento que nem todos têm…
A justiça manifestou-se ao longo de toda a sua vida, a par com a sua generosidade. Ajudava todos os que o mereciam, e era justamente duro com quem o merecia também. A prova dessa vida de justiça foram as dezenas de colegas e ex-subordinados que se vieram despedir dele. A melhor prova de uma vida de virtude.

A virtude de uma vida vivida por um homem (naturalmente) imperfeito

Significa isto que ele era perfeito? Não. Como todos nós, a sua humanidade residia nas suas virtudes, emolduradas pelos seus inúmeros defeitos. Mas o que faz a diferença é que a tal moldura jamais ofuscou o resto.
Porque a virtude se constrói nos nosso atos, nas nossas opções, mas também nas nossas dúvidas e dificuldades. Quando os valores são fortes, a nossa caminhada é sempre valorosa, por muito tortuoso que o caminho se apresente.
A sua vida foi também um exemplo de amor, dedicação e coragem. Uma vida dedicada à família, aos amigos e à profissão, povoada de afectos e de momentos cheios de boas recordações, mesmo nos momentos difíceis.
Quando a doença o apanhou, aqui há cinco anos, condenando-o a um destino que se avizinhava inevitavelmente curto e excruciante, ele abraçou-o com uma coragem que será sempre para todos nós uma lição de vida.
Por amor aos que lhe eram queridos, ele decidiu viver o inferno na terra para estar mais um pouco junto de nós. Sempre com um sorriso na cara, até ao último minuto. Um sorriso que enchia a casa quando o visitávamos, que nos relembrava sempre como são pouco importantes as coisasmundanas e mesquinhas com que nos irritamos, em comparação com tudo aquilo que a vida nos dá e pela qual devemos estar gratos.
Estar connosco, ver o neto nascer, sentir o calor da amizade, foram sempre mais importantes para ele que toda a dor e sofrimento que enfrentou.
 
Para mim, ser herói é isto.
 
Até já Carlos.
 
O teu sorriso estará sempre connosco"
 
Marina e Leonor, coragem minhas queridas amigas!

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